As descobertas de Fernanda
Deitada em sua cama, abraçada a uma almofada, Fernanda
chorava. Sua mãe, Elisa, havia falecido quinze dias antes. A avó paterna, dona
Linda, entrou no quarto, chamando-a para jantar.
_Vamos, Fernanda, comer um pouquinho. Sei que tudo isso é
muito difícil, mas você precisa se alimentar, querida... Você tem 10 anos, está
em fase de crescimento.
_Vovó, estou sem fome. Queria minha mãe de volta... Por
que ela teve que partir?
_Todos nós queríamos sua mãe de volta, meu bem. Mas
existem coisas que não têm explicação. Acredite que Deus sabe o que faz.
_Deus? Duvido que exista... E se existe, não é tão bom
como falam... Como pode, levar uma pessoa tão boa como era a mamãe?
_Fernanda, sua mãe ficaria muito triste se te ouvisse
falando assim... Ela era uma mulher de muita fé, e quis muito passar isto para
você...
_Não importa, vovó. Agora ela não está mais aqui, não
está me ouvindo... Agora, por favor, me deixe um pouco sozinha, estou sem fome
mesmo...
E desatou a chorar de novo. Dona Linda achou melhor
deixá-la sozinha mesmo. Ao descer as escadas, Zeca, seu filho e pai de
Fernanda, perguntou por ela:
_Mãe, e a Fernanda? Não vai jantar?
_Está chorando, Zeca. Quer a mãe de volta, e está se
perguntando se Deus existe mesmo... E quis ficar sozinha. Achei melhor
deixá-la.
_Vou falar com ela. Tenho algo em mente, e já sei o que
fazer. Ela também já me disse que não acredita em mais nada. E ela é muito
jovem para perder a fé na vida...
Subiu até o quarto de Fernanda. E bateu na porta:
_Filhinha, posso entrar?
_Claro, papai...
Zeca entrou no quarto e Fernanda estava com o rosto todo
vermelho, banhado em lágrimas. Abraçou a menina e disse:
_Fernanda, sei o quanto é duro para você. Para mim também
é, você sabe o quanto eu e mamãe nos dávamos bem. Eu também estou muito abalado
e tentando me adaptar sem ela... Tudo é muito difícil, a gente tem que se
ajudar, filha... Venha, vamos descer e jantar um pouco.
_Papai, eu não aguento de saudades da mamãe... Não tenho
vontade de nada.
_Filha, a mamãe não está mais aqui. Mas pense que seu pai
está, e estará sempre com você. Então, é por mim que peço. Venha comer um
pouco, estou muito preocupado com você, e tudo o que não preciso agora é de
você doente por não se alimentar. Faça isso pelo seu pai... E por sua avó
também, que tem feito o possível por nós.
Fernanda levantou-se. Pensou no que o pai disse, e de
fato não queria trazer mais preocupações para ele e para a avó.
_Isso, filha. Vá lá lavar esse rostinho, penteie seus
cabelos... E vamos jantar. Preciso de você forte e alimentada. Amanhã vou te
levar para um passeio.
_Passeio, papai? Para onde? Eu não tenho vontade!
_Será uma surpresa para você. Vamos, mesmo sem vontade.
Em algum lugar temos que estar amanhã, certo? E não precisa ser em casa. Será
Sábado, vai fazer sol... E tenho certeza de que vai te fazer bem. Vamos, faça
isso pelo seu pai. Vamos dormir cedo, iremos para um lugar não tão perto.
E de fato, Fernanda atendeu ao pedido do pai. Jantou, e
no dia seguinte, bem cedinho, se preparava para sair. E como ele havia pedido,
vestiu-se com roupas confortáveis e calçava tênis. Ao descer, viu que o pai
levava uma mochila nas costas.
_Pra que a mochila, papai?
_Faz parte do passeio, filhinha. Não faça perguntas, eu
já disse que era uma surpresa.
E Fernanda não fez mais perguntas mesmo, até pelo seu
desânimo.
Entraram no carro. Zeca saiu da cidade, entrou numa
estrada, e a viagem seguiu. Chegaram numa pequena cidade do interior, bem
arborizada. Uma estradinha de terra os conduzia a um lugar muito bonito. Fazia
sol. Zeca disse:
_Sinta o cheiro do mato, Fernanda! Ouça o canto dos
passarinhos! Sair da cidade grande nos faz tão bem, não faz?
Zeca emocionou-se, porque falou exatamente o que Elisa
diria se estivesse ali também. Fernanda sentiu que o pai fazia um esforço
tremendo para anima-la apesar da tristeza que ele não conseguia esconder
também. E sabia que ele estava fazendo tudo isso por ela, então ela procurou se
animar.
E finalmente chegaram ao destino. Zeca estacionou o
carro, desceram e entraram numa reserva florestal.
_Aqui começa nossa aventura, Fernanda. Vamos andar numa
trilha! Espere um pouco aqui, vou registrar nossa entrada. Um guia irá nos
acompanhar e ele já deve estar nos esperando.
Fernanda viu de longe seu pai conversando com o guia por
uns minutos. Em seguida, ambos vieram até ela. O guia se apresentou:
_Bom dia, Fernanda, prazer em conhecê-la! Meu nome é
Samuel, mas pode me chamar de Samuca. Irei acompanhá-los na aventura.
_E para onde vamos?
_Não posso contar! Senão estragarei a surpresa que seu
pai quer fazer para você. Vamos lá? O caminho é longo.
Mesmo triste, Fernanda foi seguindo o pai e o guia.
Conversaram sobre o dia bonito que fazia, sobre o ar fresco que refrescava a
sensação do sol quente... E do quanto Elisa gostaria de estar ali com eles. Elisa,
Zeca e Fernanda sempre gostaram de ter contato com a natureza. Alguns trechos
eram difíceis, Fernanda até se queixou um pouco:
_Papai, estou cansada...
_Tenha um pouco de paciência, filha. Ás vezes é preciso
ter um pouco de trabalho para alcançarmos coisas boas. E acredite, você vai
adorar. Não vai, Samuca?
_E como vai! Será um sucesso, Nanda!
Num momento da
trilha, Zeca disse:
_Filha, aqui começa minha surpresa para você. Vou vendar
seus olhos. Confie no seu pai, ok?
Zeca vendou os olhos de Fernanda e pediu que ela
aguardasse um pouco. Ela ouviu que ele e Samuca pegavam outras coisas na
mochila e ficou se perguntando que surpresa seria aquela. Zeca disse a ela:
_Vamos, Fernanda, segure minha mão. Vamos andar bem
devagar, vou te orientando para você não tropeçar.
E foram andando. Logo em seguida, ele disse:
_Não se assuste, mas vamos pisar em um pouco de água
agora. Não se preocupe em molhar seus tênis porque trouxe outros para você na
mochila.
Fernanda começou até a ficar um pouco mais animada:
_Oba, então pelo jeito essa surpresa vai ser divertida...
Embora a mamãe não gostaria nada, nada de saber que eu estou molhando os pés.
_É verdade. Ela nos daria uma bela bronca agora se nos
visse de onde está. Mas vamos. E a água pode estar gelada, mas logo vamos nos
acostumar. Só os seus pés irão molhar.
_Ui, papai, que água gelada. Nós estamos em um lago?
_Pode-se dizer que sim, Fernanda. Logo você vai ver o que
é!
Andaram mais um pouco, saíram do lago. Ao continuar o
caminho, Fernanda percebia que tudo parecia estar ficando mais escuro. Apesar
da venda nos olhos, deu para perceber quando a claridade do sol sumiu, bem
como, quando o calor dele parou de tocar sua pele.
Zeca parou de andar. E disse:
_Pronto, filha. Pode tirar a venda dos olhos. Mas fique
onde está, não saia de perto de mim. E não tenha medo.
Fernanda tirou a venda dos olhos, mas viu-se numa escuridão
total. Não enxergava nada. Olhou para cima, para baixo, para os lados... Mas
tudo era escuridão total. Zeca esperou que ela se manifestasse:
_Papai, por que está tudo tão escuro? Que lugar é este?
_Você já vai ver, querida... Agora, Samuca!
Zeca e Samuca acenderam uma lanterna. Fernanda olhou ao
redor, e ao ver o ambiente iluminado, ficou maravilhada:
_Noooossa, papai! Mas isso é... Isso é uma caverna!!!
Como as que vi nas fotos que você me mostrou!!! Eu sempre quis conhecer uma!
_Sim, Fernanda, é uma caverna. Fiz questão de te trazer
num salão bem escuro dela para fazer a surpresa. Agora, vamos, coloque o seu
capacete, e também tem uma lanterna nele para que você consiga enxergar tudo
melhor, igual ao meu. E se sentir frio, tenho uma blusa para você na mochila.
Pode estar o calor que for lá fora, a temperatura aqui pouco irá variar. E
trouxe um lanche, com tudo o que você gosta, para podermos repor as energias
quando sairmos daqui.
Pela primeira vez em 16 dias, Fernanda sentiu-se animada.
Seus pais sempre diziam que a levariam para conhecer uma caverna e ela sempre
esperou por isso. Zeca ajudou-a a colocar o capacete, e ela de fato estava
muito contente. A terceira lanterna acesa melhorou ainda mais a visão dos três
aventureiros.
Era um bonito salão o que estavam. Fernanda foi olhar de
perto as formações: Estalactites, estalagmites, cortinas, colunas... Ela
conhecia tudo por fotos, já tinha lido bastantes coisas a respeito, mas vê-las
de perto era muito mais emocionante.
_Fernanda, lembre-se de que a natureza trabalhou anos e
anos para isso. E ainda não terminou seu trabalho. Essa caverna em que estamos,
por ter água, o que você achou que era um lago, significa que ainda está em
formação, lembra-se disso?
_Sim, papai, eu me lembro. E olha que legal, as gotinhas
caem tão devagar das estalactites...
_Fernanda, lembre-se de não tocar em nada, principalmente
onde tem as gotinhas, senão você destrói anos de trabalho da natureza, que
precisa de tempo para construir com perfeição essas lindas formações.
Ela observou cada canto do salão onde estavam. E Samuca
foi conduzindo pai e filha para outros salões da caverna. Todos tinham
formações interessantes de se ver, de formatos e colorações diversas. Fernanda estava encantada com tudo o que estava vendo.
Era tudo muito lindo, um verdadeiro presente da natureza.
Ficaram aproximadamente uma hora dentro da caverna. E
fizeram um lanche, e em seguida, toda a trilha de volta. Zeca agradeceu Samuca
por tê-los acompanhado:
_Muito obrigado, Samuca! Quando eu vier novamente vou te
chamar para nos acompanhar.
_Eu é que agradeço, Zeca. Venha sempre que possível. Aqui
no parque tem muitas coisas lindas para ver. A Fernanda vai adorar. E... Muita força, muita luz para vocês.
Samuca abraçou Zeca, e em seguida, abraçou Fernanda também.
E a ela disse:
_Adorei conhecê-la, Fernanda. Espero vê-la de novo em
breve. E... Sinto muito por sua mãe... Seu pai me contou tudo. Espero que você
consiga superar logo essa fase tão difícil. Viva, e deixe seu pai viver também! Agora, vou deixar você e seu pai.
Ele tem algumas coisas importantes para te falar.
Fernanda chorou um pouco. Zeca segurou em sua mão e foi
levando a menina para uma outra trilha, desta vez bem mais curta, procurando
distraí-la com outras coisas. Logo em seguida, chegaram num lindo lugar, com
uma cachoeira.
_Vamos nos sentar naquela pedra e contemplar esse
lugar... É muito bonito.
Sentaram-se. A menina começou o assunto:
_Papai, o Samuca disse que você tinha coisas importantes
para me falar... O que é?
_Tenho, sim, Fernanda. Você gostou de tudo o que viu
hoje? Gostou da caverna, gosta desse lugar em que estamos agora?
_Sim, papai, é tudo muito lindo...
_E você tem ideia de quem criou tudo isso?
Fernanda ficou quieta. Abaixou um pouco a cabeça, ficou
pensativa. Olhou para a cachoeira, olhou para o rio, olhou para o céu...
_Já sei. Você vai me dizer que foi Deus. Mas não estou
acreditando muito n’Ele...
_E por que você acha que eu diria a você que é Deus?
_ É o que a maioria das pessoas diz.
_Filha, vou repetir a pergunta. Não estou pedindo para
você dizer que é Deus, e muito menos pedindo para que você acredite n’Ele. Quem
você acha que criou tudo isso?
_Não sei, papai. Uma “coisa”... Ou alguém com muito
poder.
_Mas você acredita que exista algo ou alguém que criou
tudo isso, certo? Afinal, se tudo isso que existe está aí, surgiu de alguma
forma... Concorda?
_Sim, papai... Mas acho que essas coisas deveriam ser
explicadas para a gente.
_Fernanda, há muitos mistérios da natureza que a
humanidade precisa desvendar. Existem várias teorias a respeito, tanto na
ciência como nas religiões e crenças... Mas nada é certo. Os homens estão aí,
vivendo na Terra há uns 200.000 anos, mas até hoje não desvendaram quase nada.
E se é assim, significa que ainda não evoluímos o suficiente para ter esse
conhecimento, por mais que a ciência cresça, o caminho ainda é longo. Um dia,
acredito que tudo isso será explicado. Mas enquanto isso não acontece, é
importante lembrarmos que se estamos aqui, somos parte da natureza... Que uma
força desconhecida nos criou. Isso é ter fé na vida, Fernanda. O que você acha?
Ela se calou. Não conseguia responder nada, e seu
rostinho mostrava profunda tristeza. Como continuou em silêncio, Zeca
continuou:
_Fernanda... Responda-me uma coisa. Logo que vendei seus
olhos na trilha, andamos um pouco e pisamos na água. Você me perguntou se
estávamos em um lago. Mas onde estávamos de verdade?
_Na caverna.
_Certo. E por que você achou que era somente um lago e
não uma caverna?
_Porque foi na primeira coisa em que pensei, e senti a
água nos pés... Eu não podia ver que era uma caverna.
_E você nunca havia estado numa caverna antes. Isso
também ajudou você a não pensar que podia ser uma caverna, concorda?
_Sim, concordo. Mas o que você quer dizer com tudo isso?
_Quero dizer, filha, que a gente deduz as coisas à medida
que vamos adquirindo conhecimentos. Mas que nem sempre deduzimos o que é
correto. A gente tira conclusões de acordo com aquilo que sabemos naquele
momento. E à medida que vamos aprendendo mais, vamos começando a questionar
mais. Se eu vendar seus olhos numa nova trilha e você pisar em água de novo,
daqui para frente vai se perguntar se está num lago ou numa caverna. Então,
vale a pena pensar se acreditamos ou não em certas coisas, bem como, se aquilo
que deduzimos pode ter outras respostas. Que tal pensar um pouco nisso?
Novamente Fernanda se calou. Após um tempo, o pai fez
nova pergunta:
_Outra coisa, filha. Quando vendei seus olhos... Você
sentiu medo?
_Não, papai, não senti.
_Quando pedi para você caminhar de mãos dadas comigo,
você não podia ver nada. Quando falei para você tirar a venda dos olhos e tudo
continuou escuro, falei para você não ter medo. Por que você não teve medo?
_Porque eu acredito em você, você é meu pai...
_E você confia em
mim, mesmo sem saber para onde eu estava te levando... Certo?
_Certo.
_Então, Fernanda. Será que a tal força desconhecida que
criou o mundo, inclusive este pequeno pedaço dele que estamos visitando hoje,
não faz o mesmo com a gente?
Fernanda pensou um pouco e disse:
_É... Pode ser. Mas por que faria a gente sofrer? Você me
levou num lugar lindo sem eu saber. Essa “tal força” às vezes nos faz sofrer!
Você não me fez sofrer.
_Fernanda... Nem tudo tem explicação. Hoje eu te trouxe
num lugar bonito. Há umas semanas atrás, tive que brigar com você, que não fez
a lição de casa e escondeu de mim e de sua mãe, lembra-se disso? Você ficou
triste e chorou bastante. Fiz você sofrer, não fiz?
_Sim, fez...
_E mesmo tendo brigado com você, você sabe o quanto te
amo, filha... E sabe que fui obrigado a brigar com você para que aprendesse a
ter mais responsabilidade e a não mentir mais. Na hora você não percebeu isso,
mas agora sabe que fiz isso para que
você cresça, não sabe? E que continuarei fazendo se for preciso...
_Sim, papai... Eu sei.
_Então, filha. Você acredita no seu pai, mesmo sabendo
que ele pode te trazer alegrias e te deixar triste de vez em quando. Estou
certo?
_Está!
_Filha querida... Isto se chama “fé”. Será que não é
assim que essa força desconhecida age conosco?
Fernanda ficou em silêncio. Como não dizia nada, Zeca fez
outra pergunta:
_Vamos, Fernanda. Olha, não precisa me responder nada
agora. Sei que é muita informação para sua cabecinha, é muita coisa para você
pensar... Mas preciso te falar essas coisas, filha. Você é tão jovem e está
tendo que conviver com uma dor muito grande... Eu quero que você encontre
forças para continuar, para não se entregar ao sofrimento e perder a fé em
viver. E fé, Fernanda, é uma palavra que ouvimos muito quando o assunto é
religião. Mas querida... Fé é uma palavra que pode ser usada em tudo aquilo que
acreditamos. Podemos ter fé numa religião sim, mas podemos ter também em nossos
amigos... Você pode ter na escola, quando faz um bom trabalho e espera que sua
professora reconheça... Eu posso ter no meu trabalho... Um eleitor pode votar
em um candidato na eleição por acreditar no trabalho dele... Tudo isso é fé,
Fernanda. É acreditar em algo, independente de sabermos se o que esperamos vai
se realizar ou não, e se aquilo em que acreditamos nos dará o que esperamos. E
é preciso ter fé na vida, Fernanda, na energia que criou todo o universo. A
gente não sabe praticamente nada sobre isto... Algumas pessoas acreditam em
Deus, outras dão outro nome, há milhares de religiões que dão vários nomes a
essa força, Fernanda. E há também quem não acredite em um “ser” exatamente, que
são os ateus, mas que também não sabem explicar os mistérios do mundo... Você
tem fé no seu pai, assim como podemos ter fé na força da vida.
_Ah, papai. Você eu vejo. Como posso acreditar naquilo
que não vejo?
_Fernanda... Quando acendemos a luz, o que faz com que a
lâmpada se acenda?
_A eletricidade.
_E você vê a eletricidade?
_Sim, papai, quando a luz acende.
_Não, Fernanda. Você vê o efeito da eletricidade, que é uma força invisível.
_Mas papai, se eu vejo que a luz acendeu, eu sei que foi
a eletricidade que a trouxe!
_E quando você vê todas essas coisas lindas da natureza à
sua volta... Quem foi que trouxe?
_Não sei...
_...Certo. Você não sabe, e eu também não. Mas foi uma
força invisível também, assim como a eletricidade. O homem já descobriu a
eletricidade, vai descobrir outras coisas também. Mas existe uma força invisível que criou a natureza que você vê. Concorda
com isso?
_Sim, papai, concordo... Mas acho que vou acreditar
quando o homem descobrir.
_Fernanda, os efeitos dessa força estão aí para a gente
ver e acreditar nela. Mas tudo é questão de tempo. Vamos pensar naquelas
estalactites que você viu na caverna. Geralmente elas crescem de 6 mm a 25 mm a
cada 100 anos. Tem noção do que é isto, do tempo que elas demoram para se
formar?
_Nossa, tudo isso?
_Sim. Tudo isso. Demora esse tempo todo. E não são belas,
mesmo em formação?
_Sim, são lindas!
_É isso, filha... Há coisas belas em formação, e são
belas mesmo enquanto ainda não estão prontas. Assim como nós e a humanidade em
geral... Gostaria que você pensasse em tudo isso.
_Mas eu queria ainda entender por que a mamãe teve que ir
embora, papai... Eu sinto tanta saudade!
_Fernanda... Tudo isso é muito difícil para nós todos.
Esse é um dos mistérios que demoraremos muito para descobrir, se é que um dia
iremos. Mas, pense em outra coisa. Lá dentro da caverna, quando você tirou a
venda, tudo continuou escuro, não continuou?
_Sim, eu não enxergava nada.
_E o que eu e o Samuca fizemos?
_Acenderam as lanternas, oras...
_Então. Nós acendemos as lanternas para iluminar a
escuridão. É o que precisamos fazer na vida, minha pequena aventureira. É
preciso encontrar motivos para levar luz onde está escuro... E o que aconteceu
quando acendemos a sua lanterna também?
_Conseguimos enxergar ainda melhor.
_Sim, querida, quanto mais pessoas escolherem iluminar,
mais visão e conforto todos terão... Fernanda, é isso que tenho tentado fazer
todos os dias por você. Tudo vai continuar triste e difícil por um tempo, mas
se ambos escolhermos iluminar... Será mais reconfortante. Juntos, teremos uma
luz em dobro. Vamos tentar?
Fernanda abaixou a cabeça e começou a chorar...
_Por favor, filhinha... Olhe para mim! Aqui, bem nos meus
olhos!
A menina olhou nos olhos do pai. Com os olhos também
marejados, ele continuou:
_Eu... Não aguento ver você tão triste. Eu tenho muita
saudade da sua mãe, sei que você também... E ver você sofrendo tanto... Aumenta
ainda mais a minha dor. Não posso pedir que você não sofra, Fernanda, porque
isso faz parte e não temos como fugir disso... Agora... Ver minha filha tão
amada... Tão amarga... E tão descrente de tudo.... Eu... Não consigo...
A voz de Zeca foi ficando pausada e trêmula. Não
conseguiu dizer mais nada. Abraçou a menina bem forte. E ali, abraçados, ambos
choraram toda a sua dor, tendo apenas a natureza como testemunha.
_Papai, não chore...
_Nanda... Seu pai também sofre. É impossível ser tão
forte a ponto de nunca chorar. Isso faz parte. Mas não se preocupe, eu estou
bem. Apenas me diga que ao menos irá pensar em tudo o que conversamos!
Lembre-se que estou pedindo simplesmente que você acredite na vida, mesmo que
não saibamos por que algumas coisas tristes acontecem... E que você pense
também em ter fé, independente da crença que você escolher ter, independente de
ser a mesma que eu e sua mãe tínhamos! Isso é com o tempo, minha querida, mas
saiba que estarei sempre aqui ao seu lado. Pode contar com seu pai para sempre.
Tudo o que eu te disse pode levar um tempo para você assimilar. Vamos conversar
sobre isso sempre que você quiser!
_Sim, papai... Eu vou pensar...
_Obrigado, filha. Já me conforta saber que ao menos você
está disposta a tentar. Agora, vamos indo, minha pequena aventureira?
_Vamos, papai.
De mãos dadas, foram seguindo a pequena trilha de volta.
Caminhavam em silêncio, cada um perdido em seus pensamentos. Desta vez, foi
Fernanda quem cortou o silêncio:
_Papai... Preciso te perguntar uma coisa!
_Claro, o que você quiser!
Zeca parou na trilha, sentou-se numa pedra, pôs a menina
no colo, que disse:
_Papai... Esses dias todos, de tão triste que fiquei,
falei que não acredito em nada, e confesso que fiquei até com raiva de tudo
isso... E também dessa “força maior”, como você diz, que deve saber que estou
com raiva dela... Será que vou ser castigada de alguma forma por isso?
_Nanda... Confesse. Quando eu brigo com você, você fica
triste comigo e às vezes sente até raiva, não sente?
Fernanda se calou.
_Filha, vá em frente. Pode falar. Seu pai está aqui para
isso. Não tenha medo nem culpa do que você sente, nem de falar sobre isso.
_Sim, papai, eu fico triste com você às vezes e já senti
raiva...
_...Filha, o papai sabe, porque eu também sinto raiva das
pessoas que amo quando elas me magoam. Mas eu te amo mesmo sabendo disso, e
jamais te castigaria. Pode acreditar que essa Força Maior age da mesma forma...
Aliás, age com certeza muito melhor do que eu, afinal eu sou apenas um humilde
filho dela, assim como você. Não se preocupe com isso. É capaz que você ainda
se sinta mal com toda essa tristeza que você está vivendo, mas você vai ver
como o tempo vai curar tudo. E a Força Maior entenderá tudo isso, e intercederá
por você e por todos nós. Não sinta medo. E tenha fé. Lembre-se, seu pai está
com você.
Pai e filha de mãos dadas retornaram à trilha continuando
o caminho de volta. A força da natureza os abraçava em silêncio... Abençoando
todas as trilhas da vida nas quais ambos iam caminhar ainda.
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