sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Mistlay

Mistlay era um ponto de energia do nosso mundo, e foi até a Mãe Natureza:

_Mãe... Preciso confessar que tenho um sonho!

_Ora, Mistlay... Pode dizer. O que é?

_Mãe... Eu, sendo um ponto de energia, faço parte da força que faz a vida fluir. Mas... Isso tem sido pouco para mim. Confesso que vejo muita beleza em tudo aquilo que é matéria, e gostaria de sentir o que é ser matéria também!

Mãe Natureza ficou surpresa. Os pontos de energia nunca pediam para virarem matéria.

_Mistlay... Tem certeza do que está dizendo? Lembre-se que a matéria é perecível, você sendo matéria mais cedo ou mais tarde irá perecer, e é um processo de mudança um tanto conturbado. Você voltará a ser energia de novo... Sabendo disso... Não prefere continuar sendo um ponto de energia, tão essencial quanto a matéria para a vida existir?

_Mãe... Eu sonho com isso, todos os dias, desde que fui criada e comecei a interagir com a matéria. Nunca consegui contar isso para os outros pontos de energia... Porque não conheço ninguém com um sonho desse... Então, é para você que estou contando, será que existe alguma maneira de realizar esse meu sonho?

A Mãe Natureza pensou um pouco, e disse:

_Filha... Se é esta a sua vontade... Sim, eu posso ajudar a realizar... Mas como começou a desejar isso, Mistlay?

_Não sei, Mãe. Eu simplesmente passei a sonhar com isso(***)... E eu quero me materializar! Como posso fazer isso?
(***)Pois é... Podemos ter sonhos que não sabemos de onde vêm, não é, caros leitores?

_Ora, Mistlay... Eu mesma posso fazer essa transformação. Você tem algo em mente?

_Sim... Mãe, eu adoro as plantas, mas gostaria de ser um pouco mais animada do que elas, que ficam inertes o tempo todo... Então, pensei em ser um animal que ficasse em contato com as plantas, que vivesse de plantas, entende? Pode parecer estranho... Mas... Eu gostaria de me materializar como uma lagarta. Observei algumas lagartas, passam o dia inteirinho se alimentando de folhas, sempre ocupadas, jamais sem fazer nada... Então... Eu gostaria de ser uma lagarta!

_Mistlay, temos outras formas de vida disponíveis... Você chegou a pensar em outras?

-Mãe, as outras formas de vida me atraem, mas creio que ser uma lagarta já me satisfaria. E parece-me ser difícil ser outro ser. E eu gosto das lagartas. São bonitas, silenciosas, delicadas, frágeis e incansáveis...

_E por que uma lagarta, se você pode ser tantas coisas?

_Mãe... Para mim, a vida seria perfeita sendo lagarta. Aliás, ser lagarta para mim já me deixaria em contato com a matéria que eu tanto sonho ser, sentir, tocar... Olhar... Perceber toda a natureza que estiver em minha volta... A vida se manifestará em mim desta forma. E vou amar esta minha vida, mãe...

_Ou seja... Seu objetivo principal é interagir com a vida de perto, e acha que ser uma lagarta te satisfaz porque se sente capaz de realizar suas atividades? É isso?

_Sim... Você pode, por favor, atender meu pedido?

Mistlay estava ansiosa para ser atendida. Durante séculos de existência, sonhava com esse dia. E Mãe Natureza concordou:

_Sim, Mistlay. Logo você será uma lagarta.

Mistlay não cabia em si de felicidade. Finalmente, seu sonho de séculos estava prestes a ser realizado.

_Mãe... Muito, muito obrigada... Não sei como agradecer.

_Saberá no dia a dia, Mistlay. Você sabe, ao ser matéria, você não poderá interagir comigo como faz agora. Mas quero que você saiba que estarei com você, mesmo que seus sentidos não me percebam como você consegue agora. Acima de tudo, deverá acreditar que estarei com você, e que algumas vezes poderão acontecer coisas desagradáveis à matéria, e muitas vezes eu serei responsável por isso. Está ciente de tudo isso?

_Sim, Mãe... Eu quero provar tudo isso. Quero interagir com a vida da maneira mais completa possível, e sendo uma lagarta... Conseguirei!

E durante alguns segundos, Mistlay teve sua consciência interrompida. Ao recobrá-la, viu-se na copa de uma árvore. Fazia um dia bonito. Ela era uma lagarta!

_Mããããeee! Muito, mas muito obrigada! Que felicidade estou sentindo! Como é bom poder tocar... Como é bom sentir... Então é assim? Oh... tenho certeza que irei me acostumar rapidinho!

E Mistlay passava dia após dia feliz da vida. Seu sonho estava realizado, ela não tinha do que reclamar. De vez em quando, precisava se abrigar da chuva, sentia alguns desconfortos, percebia algum perigo... Mas tudo valia a pena.

E, certa vez... Mistlay dormiu, e ao acordar, sentiu-se presa. Estava num lugar pequeno, apertado, escuro... Não entendia o que estava acontecendo. Teria sido capturada por algum predador? Seria uma brincadeira da Mãe Natureza? Como saber? Mistlay esperou, esperou e esperou... E nada acontecia. E começou a se entristecer. Lembrou-se que seu instinto a fez construir algo do qual ela não se lembrava.

_Por que será que está acontecendo isso? Mãe Natureza, gostaria de falar com você.

Mas a Mãe Natureza não respondia... Passavam-se os segundos e as horas... E apenas o silêncio respondia.

_Que saudades da minha liberdade... Que saudade de ser lagarta... Como eu era feliz!

E o tempo ia passando. Uma eternidade para Mistlay, que começou a ficar cada dia mais triste e inconformada. Nunca havia se arrependido de ter pedido para virar matéria, mas estava ficando muito difícil.

_Por que sonhei tanto com isso? Como imaginei que passaria pela privação daquilo que eu mais queria, que era interagir com a natureza? Eu estava tão feliz... Mesmo sofrendo alguns desconfortos.

E nada de resposta. Mistlay começou a sentir o sabor da revolta. Passou a questionar a Mãe Natureza.

_Como pôde fazer isso comigo? Você dizia que estaria sempre comigo, que eu não a veria... Esqueceu-se de mim, tenho certeza...

E os momentos foram passando, para desespero de Mistlay, que lutava para encontrar a saída de onde estava e não conseguia se mover, não tinha força para romper aquelas paredes que a rodeavam por mais que tentasse forçá-las a se abrirem. Não sabia dizer quanto tempo ficou ali.  Vencida pelo cansaço, Mistlay adormeceu. E sonhou...

Sonhou com a voz da Mãe Natureza, que lhe disse: “Eu sei o que estou fazendo. Confie em mim.”

Ao acordar, Mistlay se animou. Claro, deduziu que logo a Mãe Natureza iria retirá-la dali. Mas isso não aconteceu. Pelo contrário. Ela se sentia cada vez mais apertada.

Passou vários momentos de um desconforto ainda maior. Até que, num momento de muito desconforto, e muita revolta... Mistlay teve uma nova sensação, parecia que algo havia crescido no corpo dela. Ficou assustada. Mas continuou lutando. Até que adormeceu de novo. 

E Mãe Natureza novamente veio em seu sonho: “Você ainda não pôde perceber o que preparei para você, Mistlay... Está se transformando em uma borboleta!”

Mistlay acordou na mesma hora.

_Se sou borboleta, pensou, devo poder sair daqui.

Foi uma batalha de muito tempo. Sentia dores, desânimo, cansaço, perda de forças, até vontade de desistir. Até que, finalmente, Mistlay pôde sair. O abrigo apertado era um casulo! Agora ela podia ver...

Mistlay bateu as asas. Sentiu o ventinho que ela mesma fazia ao batê-las, e gostou da sensação. Ser borboleta era infinitamente melhor do que ser lagarta. Ela voava, e agora podia ver a árvore onde nasceu por outros ângulos. Voou de galho em galho. Até que adormeceu novamente de cansaço. E sonhou novamente. Desta vez, sonhou que voava, e a voz da Mãe Natureza lhe dizia:

_Mistlay... Você quis se tornar lagarta... Mas como lagarta você teria muitas limitações para realizar seu sonho de interagir com a natureza. Então te preparei para que você pudesse interagir muito mais como borboleta, você sonhava muito pequeno para uma capacidade tão grande! Voe alto. Veja de cima a natureza que você terá para interagir!!!

E no sonho, Mistlay podia avistar rios, animais, plantas... E como lagarta, ela jamais teria acesso a tudo isso. Mãe Natureza continuou:

_Filha Amada... Seu sonho era puro. Você não podia ficar limitada à copa da árvore. Para quem queria interagir com a natureza como você... Era preciso mais... Precisei te dar asas, e o processo de metamorfose realmente é doloroso. Mistlay, a vida como matéria para você será muito curta. Então, era preciso correr contra o tempo para que seu sonho valesse a pena, e para que  você realmente pudesse ver do que era capaz. E enquanto você estava no casulo, eu não podia te dizer que você viraria borboleta. Você poderia ter medo, poderia não se sentir capaz, precisei te preparar momento por momento para que você realmente estivesse pronta.  E você lutou bravamente. Tristeza, revolta, cansaço e vontade de desistir fazem parte, é o preço por realizar um sonho, mas eu estava ali, acompanhando cada etapa sua, mesmo quando você sentiu revolta e questionou meu amor por você... Mas agora voe, minha filha. Voe e veja tudo do que você pode usufruir e que nem sabia que era possível, e que era capaz! A vida é curta, portanto aproveite! Eu sempre soube que você seria capaz!!!!



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